Test-Ride completo: Honda Vision 110i
Um caso de amor e ódio…
Antes de começar este teste e ainda a olhar fixamente para o ecrã do telemóvel, enquanto tentava centrar e captar a primeira fotografia da pequena scooter, passou-me em jeito de flash um conjunto de pensamentos com os quais e de alguma forma concordava..…Vais-te fartar dela num instante!
Chegas à primeira rotunda e dás meia volta!
Mas quem te manda ir fazer um teste a uma scooter tão pequena?
Estás a levar ao limite a questão dos test-rides…era necessário desceres ao nível de uma citadina?
Estás-te a passar…vai mas é devolver as chaves, diz que recebeste um sms urgente e piras-te…Isto é verídico!
Eu não sei o que me deu para ter saído da minha boca, no interior do concessionário, que gostava de fazer um teste completo a este pequeno modelo, enquanto a minha fazia a revisão.
Mas agora estava dito e custava-me voltar atrás.
Não vou dizer que não a conhecia, porque até já tinha conduzido por breves quilómetros este modelo da Honda quando deixei a minha numa das revisões anteriores. Mas ter testado já tantos modelos depois deste e todos eles bem mais possantes, crivou-me o pensamento de uma ideia pré-concebida que teimava em não me largar….e até àquele momento ainda nem sequer me tinha sentado nela, continuando com a chave nas mãos!!!
Bem, lá vai ter de ser….
Enquanto coloco o capacete e aperto a fivela, miro-a de alto abaixo uma última vez….e sento-me como quem se senta numa cadeira frágil e em que desconfiamos que está à espera do primeiro momento para se partir!
Sentado na Vision 110i, olho para o painel de instrumentos, rodo a chavinha colocada mais abaixo e…
.pronto…agora sim, tens mesmo de ir já devolver a chave! Caramba!Mal se fazia ouvir ao relantim e agora começava a duvidar que conseguisse sequer sair do parque privado do concessionário.
Acelerei um pouco….e nesse momento cai-me a ficha!
A suavidade da resposta e avanço determinado da Vision fez-me repensar um pouco no que tinha conjecturado de início.
Tu és tão leve oh azulinha! Será que conseguimos ir um bocadinho para a estrada para eu me sentir esbofeteado com o teu desempenho? Agora sou eu que te peço…mostra-me que vales mais do que aquilo que eu dizia de ti…E ela mostrou mesmo…
Nunca me esqueci que era uma citadina que conduzia, mas as scooters de facto não se medem aos palmos.
O motor não mostrava sinais de dar parte fraca e decidi avançar em definitivo para a estrada, com o vento a passar-me pela fresta da viseira que tinha deixado ligeiramente aberta. Aliás, a bem dizer, o vento passava por mim em quase todo o tronco, porque a protecção de série não era propriamente um mimo, apesar da Honda fornecer como opcional um vidro alto que resolve o assunto de uma só assentada.
Já tinha deitado um fugaz olhar à sua capacidade de carga debaixo do banco e capaz de albergar um capacete integral e também aos dois volumosos espaços de arrumação na zona inferior do escudo….mas era aquele simpático painel de instrumentos, de muito fácil leitura e contendo as informações mais relevantes, que reuniu da minha parte uma análise inicial mais demorada.
Esta Vision de cor azul, que nasceu para se tornar veículo de testes, com tudo o que isso acarreta em termos de desgaste acentuado, já tinha dobrado os 7 mil Kms e a verdade é que era como se nada fosse. Não tinha plásticos a ranger, respondia com o rigor de uma máquina bem afinada, não denotava uma especial deterioração de qualquer painel, independentemente do local para onde olhava.
A dada altura e em plena condução, começo a sentir que tenho os membros inferiores um pouco projectados sobre a zona frontal e decidi recuar o meu quadril cerca de meio palmo, situação permitida sem qualquer problema por via da própria concepção linear do banco.
Ah…assim está bem melhor! Os pés não tinham a mesma possibilidade e não tive outro remédio senão deixar o calçado n.º 43 no devido sítio e sossegadinhos. Creio que de perfil a minha posição ficaria sensivelmente com o mesmo aspecto de quem está sentado numa cadeira. Não me senti desconfortável nesta posição e também não senti que a mesma se manifestasse negativamente na condução desta citadina.
Começo a enfrentar algumas rotundas e o peso da scooter revela-se super fácil de dominar, de tal forma que quase dá vontade de as fazer só com uma mão no guiador, tal a reacção tão controlável e tão pouco intimidatória. Claro que não me “atirei” logo para a primeira rotunda com muita confiança, é verdade! Mas depois de negociada essa primeira com “gufa-gufa” (há que tempos que não utilizo esta expressão!), a Vision 110i mostrou-me que era fácil…muito fácil fazer as rotundas com ela.
Não foram feitas a velocidade supersónica, mas o andamento permitido não deixava ficar mal visto o seu condutor de ocasião. Mais uma voltas e comecei a conhecer e a reconhecer aquela agilidade, comecei a sorrir por poder passar em qualquer nesga entre os carros e o separador central da variante da cidade, comecei a ficar rendido às evidências do prático que é ter uma pequena scooter.
Apanho estrada mais aberta e livre de trânsito e decido levar aquele pequeno motor até aos 100Km/h (no velocímetro), coisa que aconteceu bem mais rápido do que eu me recordava quando a tinha testado há tempos. No fundo, a pequena Vision 110i continuava a dar-me verdadeiras ”chapadas de luva branca”, tendo até àquele momento conseguido amarrotar por completo o preconceito inicial e que tinha começado ainda mesmo antes de rodar a chave!
Não vou dizer que ela não treme ligeiramente a estas velocidades mais altas, porque treme. Mas não senti que a segurança estivesse em causa, não senti que ela mostrasse aqui uma fraqueza digna desse nome.
Caramba, é uma citadina! (Ahhh…agora já a defendes, é?)
O depósito com capacidade para 5,5L estaria bem próximo de cheio, pois sempre que a ligava fazia elevar o ponteiro ali bem para perto de FULL e nisto, decido que chegara a altura de levar as suas rodas de 14´polegadas (existe uma versão com rodas de 16') para a temida...muito temida calçada antiga desta cidade Eborense.
Aponto-a na direcção da zona mais histórica da cidade, com aquele tipo de calçada verdadeiramente característica e em que até mesmo a andar a pé incomoda e…..bolas, a Vision 110i volta a mostra-se danada para contrariar o que tinha pensado dela.
É que este modelo consegue, literalmente, tratar por
“tu” a cidade e toda a envolvência da mesma. Se estivesse sentado em casa a ver as especificações deste modelo e reparasse que conta apenas com um amortecedor traseiro, far-me-ia pensar de imediato que perante as condições a que ali a submetia na zona histórica, iria receber valentes pancadas no fundilho das costas….mas não foi o caso.
Aquela unidade de test-ride, certamente já usada e abusada por muitos, absorvia as irregularidades do piso com o à vontade de uma scooter de maior dimensão, preparação mecânica e…preço. Percebo agora ainda melhor a opção dos CTT, dos estafetas e das empresas ligadas ao ramo da entrega de pizzas. A conhecida fiabilidade deste pequeno mono-cilíndrico a 4 tempos estava bem auxiliada pelos restante órgãos mecânicos, os quais, ainda que dimensionados ao modelo e fito da sua categoria de veículo, não deixavam de cumprir de forma distinta.
Em zonas ainda mais duras de piso, a Vision lá soltava de vez em quando um som agudo que me parecia provir da suspensão dianteira. Parei 2 ou 3 vezes e unicamente para tirar fotos, desligando-lhe o motor para a deixar arrefecer nesses breves instantes. Esta pequena unidade de cor azul , que voluntariosamente sofria para não me deixar a mim ficar muito mal, só depois de umas voltas pela cidade foi imobilizada por um bom bocado, por forma a fazer-lhe uma análise mais visual.
Foi este o momento de verificar com mais atenção aquele banco de altura acessível, a qualidade da pintura, a junção dos painéis, o seu aspecto delgado e perfeito para furar o trânsito, enfim....andei de volta dela, mudei-a de posição umas quantas vezes para a aprontar para mais fotos e….confesso, comecei a sentir uma grande afeição por aquele modelo que até ali me tinha conseguido voltar a mente do avesso.
Muito provavelmente e sem exagerar o mínimo que seja, até àquele preciso instante e depois de ter rolado com ela por vários Kms, o gasto em combustível seria em tudo equivalente ao custo de um simples café. Este modelo da Honda, que voluntariosamente me transportava do ponto A ao ponto B a um ritmo bem longe de um mero passeio, anuncia um consumo combinado ridiculamente baixo – 1,92L/100Kms - e com o seu pequeno depósito consegue, em condições ideais de circulação, fazer qualquer coisa como 250Kms.
Aquele seu design de scooter prática, dimensões comedidas, acessível a todas as estaturas, de concepção simples e talhada para enfrentar a cidade, fazia-me desta vez olhar para o ecrã do telemóvel com respeito. Focava a parte que mais me interessava, levantava os olhos para a mirar novamente e…click! Passei um bom bocado naquele local, ora com foto deste lado, ora daquele…e agora ainda um pouco mais para este lado e toma lá mais umas fotos.
O referido ar de scooter jovem e simpática tem a sua zona frontal marcada pela colocação de um farol em zona mais elevada, acrescendo a isso dois mais esguios numa zona inferior e que têm a função de mínimos e de piscas. Ao longo da manhã de testes, por diversas vezes tinha já aproximado a Vision o suficiente do veículo da frente e visto ali reflectido na pintura do automóvel novamente aquela sua imagem, de faróis ligados.
Ali parado naquele local mágico e num bonito dia de Primavera, foi-me ainda possível olhar para o seu sistema de travagem, composto por um disco perfurado na frente e tambor na roda traseira. Não vou dizer que será o melhor que se pode ter, mas tal não significa que os técnicos da Honda tenham menosprezado este importante meio de manutenção da nossa segurança. Aquilo que facilmente constatei foi que a Vision tinha potência de travagem mais do que suficiente para se imobilizar num curto espaço de metros, a que não será totalmente alheio o útil e eficaz sistema de travagem combinada CBS, que faz parte do equipamento de série. Com bom piso, os seus magros pneus de marca IRC cumpriam com aquilo que se lhes era exigido e só mesmo quando circulei naquela falsa e irregular calçada de uma cidade que é Património da Humanidade, tive necessidade de dosear com mais cautela a força aplicada nas manetes.
Começa a aproximar-se a hora de almoço e eu, apesar de ter tirado o 02/Abril como dia de férias, não significava que me pudesse esticar na hora de entregar a Vision 110i. Passo pelo concessionário para a entregar e dizem-me que posso continuar com ela e entregar só da parte da tarde, que não havia problema, que estivesse à vontade.
Aceitei, agradeci e desta vez voltei para a Vision com outro ânimo. Já não tinha aquele remoer de ideias, já não a pensava no tal “nível” de que neste momento não me orgulho por ter passado na minha mente.
Levo-a para casa, almoço com toda a calma que me é possível e só lhe volto a tocar perto das 16:30 horas, levando-a a tomar um caminho mais longo…
Decidi passar pelo Jardim da Memória, onde se encontra um memorial às vitimas dos acidentes na estrada e…parei para reflectir! Ali permaneci uns minutos, vergado à evidência daquilo que as breves palavras ali escavadas na pedra me transmitiam. A velocidade, as infantilidades na estrada, a falta de civismo, os abusos e atropelos que são cometidos aos comandos de um automóvel ou motociclo, enfim…tirei a foto, voltei a montar-me na Vision e regressei em ritmo de passeio até ao concessionário.
A Vision tinha-se mostrado valente, tinha tornado evidente aos meus olhos que os ditados sobre o preconceito estavam correctos e que o julgar não é um bom ponto de partida.
“Inventámos a roda, fomos à Lua, tornámo-nos homens digitais, talvez pulemos em Marte…e ainda não conseguimos livrar-nos do preconceito!”Ainda abalado com a minha passagem naquele memorial e antes de regressar para casa, olhei uma última vez para aquela pequena scooter que deixei estacionada junto a outras bem maiores, fiz um apanhado daquelas 6 horas intervaladas em que convivi com ela….e pensei:
Definitivamente, as scooters não se medem aos palmos!Agradecimento: Obrigado à Motodiana por me ter deixado à vontade para conhecer melhor este pequeno e importante modelo da Honda.